quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

TEOREMA, Herberto Helder


 TEOREMA
                                                                                                                          Ao Dr. Ernesto Gonçalves

       El-rei D. Pedro, o cruel, está na janela sobre a praceta onde sobressai a estátua municipal do marquês Sá da Bandeira.  Gosto deste rei louco, inocente e brutal.  Puseram-me de joelhos, com as mãos amarradas atrás das costas, mas levanto a cabeça, torno o pescoço para o lado esquerdo, e vejo o rosto violento e melancólico do meu pobre Senhor.  Por debaixo da janela onde se encontra, existe uma outra em estilo manuelino, uma relíquia, obra delicada de pedra que resiste ao tempo.  D. Pedro deita a vista distraída pela praça fechada pelos seus soldados.  Vê a igreja monstruosa do Seminário, retórica de vidraças e nichos, as pombas que pousam na cabeça e nos braços do marquês e vê-me em baixo, ajoelhado, entre alguns dos seus homens.  O rei olha para mim com simpatia.  Fui condenado por ser um dos assassinos da sua amante favorita, D. Inês.  Alguém quis defender-me, dizendo que eu era um patriota.  Que desejava salvar o Reino da influência espanhola.  Tolice.  Não me interessa o Reino.  Matei-a para salvar o amor do rei.  D. Pedro sabe-o.  Olho de novo para a janela onde se debruça.  Ele diz um gracejo.  Toda a gente ri.
       — Preparem-me esse coelho, que tenho fome.
       O rei brinca com o meu nome.  O meu apelido é Coelho.
       O que este homem trabalhou na nossa obra!  Levou o cadáver da amante de uma ponta a outra do país, às costas da gente do povo, entre tochas e cantos fúnebres.  Foi um terrível espetáculo, que cidades e lugarejos apreciaram.
       Alguém ordena que me levante e agradeça ao meu Senhor.  Levanto-me e fico bem defronte do edifício.  Vejo no rés-do-chão o letreiro da Barbearia Vidigal e o barbeiro de bigode louro que veio à porta assistir ao meu suplício.  Vejo a janela manuelina e o rei esmagado entre os blocos dos dois prédios ao lado.
       — Senhor — digo eu —, agradeço-te a minha morte.  E ofereço-te a morte de D. Inês.  Isto era preciso, para que o teu amor se salvasse.
       — Muito bem — respondeu o rei.  Arranquem-lhe o coração pelas costas e tragam-mo.
       De novo me ajoelho e vejo os pés dos carrascos de um lado para o outro.  Distingo as vozes do povo, a sua ingénua excitação.  Escolhem-me um sítio das costas para enterrar o punhal.  Estremeço de frio.  Foi o punhal que entrou na carne e cortou algumas costelas.  Uma pancada de alto a baixo do meu corpo, e verifico que o coração está nas mãos de um dos carrascos.  Um moço do rei espera com a bandeja de prata batida estendida sobre a minha cabeça, e onde o coração fumegante é colocado.  A multidão grita e aplaude, e só o rosto de D. Pedro está triste, embora, ao mesmo tempo, se possa ver nele uma luz muito interior de triunfo.  Percebo como tudo isto está ligado, como é necessário que todas as coisas se completem.  Ah, não tenho medo.  Sei que vou para o inferno, visto que sou um assassino e o meu país é católico.  Matei por amor do amor — e isso é do espírito demoníaco.  O rei e a amante também são criaturas infernais.  Só a mulher do rei, D. Constança, é do céu.  Pudera, com a sua insignificância, a estupidez, o perdão a todas as ofensas.  Detesto a rainha.
       O moço sobe a escada com a bandeja onde o meu coração é um molusco quente e sangrento.  Vê-se D. Pedro voltar-se, a bandeja aparecer perto do parapeito da janela.  O rei sorri delicadamente para o meu coração e levanta-o na mão direita.  Mostra-o ao povo, e o sangue escorre-lhe entre os dedos e pelo pulso abaixo.  Ouvem-se aplausos.  Somos um povo bárbaro e puro, e é uma grande responsabilidade estar à frente de um povo assim.  Felizmente o nosso rei encontra-se à altura do seu cargo, entende a nossa alma obscura, religiosa, tão próxima da terra.  Somos também um povo cheio de fé.  Temos fé na guerra, na justiça, na crueldade, no amor, na eternidade.  Somos todos loucos.
       Tombei com a face direita sobre a calçada e, movendo os olhos, posso aperceber-me de um pedaço muito azul de céu, acima dos telhados.  Vejo uma pomba passar em frente da janela manuelina.  O claxon de um carro expande-se lìricamente no ar.  Estamos nos começos de junho.  Ainda é primavera.  A terra está cheia de seiva.  A terra é eterna.  À minha volta dizem obscenidades.  Alguém sugere que me cortem o pénis.  Um moço vai perguntar ao rei se o podem fazer, mas este recusa.
       — Só o coração — diz.  E levanta de novo o meu coração, e depois trinca-o ferozmente.  A multidão delira, aclama-o, chama-me assassino, cão, e encomenda a alma ao Diabo.  Eu gostaria de poder agradecer a este povo bárbaro e puro as suas boas palavras violentas.
       Um filete de sangue escorre pelo queixo de D. Pedro, e vejo os seus maxilares movendo-se ligeiramente.  O rei come o meu coração.  O barbeiro saiu do estabelecimento e está a meio da praça com a sua bata branca, o seu bigode louro, vendo D. Pedro a comer o meu coração cheio de inteligência do amor e do sentimento da eternidade.  O marquês Sá da Bandeira é que ignora tudo, verde e colonialista no alto do seu plinto de granito.  As pombas voam à volta, pousam-lhe na cabeça e nos ombros, e cagam-lhe em cima.  D. Pedro retira-se, depois de dizer à multidão algumas palavras sobre crime e justiça.  Aclama-o o povo mais uma vez, e dispersa.  Os soldados também partem, e eu fico só para enfrentar a noite que se aproxima.  Esta noite foi feita para nós, para o rei e para mim.  Meditaremos.  Somos ambos sábios à custa dos nossos crimes e do comum amor à eternidade.  O rei estará insone no seu quarto, sabendo que amará para sempre a minha vítima.  Talvez não termine aí a sua inspiração, e ele se torne cada vez mais cruel e mais inspirado.  O seu corpo ir-se-á reduzindo à força de fogo interior, e a sua paixão será sempre mais vasta e pura.  E eu também irei crescendo na minha morte, irei crescendo dentro do rei que comeu o meu coração.  D. Inês tomou conta das nossas almas.  Ela abandona a carne e torna-se uma fonte, uma labareda.  Entra devagar nos poemas e nas cidades.  Nada é tão incorruptível como a sua morte.  No crisol do inferno manter-nos-emos todos três perenemente límpidos.  O povo só terá de receber-nos como alimento, de geração para geração.  Que ninguém tenha piedade.  E Deus não é chamado para aqui.  Herberto Helder

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Os Lusíadas [algumas notas]


UM POEMA ÉPICO

          A epopeia era o género literário que a poética clássica oferecia aos poetas do Renascimento para exaltar feitos excepcionais e imortalizar heróis, à semelhança da Ilíada e da Odisseia de Homero, ou da Eneida de Virgílio.
          E constituía, justamente, a ambição máxima do poeta clássico: rivalizar com os antigos no género que eles consideravam o mais nobre o mais elevado.
         O poema épico respeita uma série de convenções. A epopeia deve ter uma exposição  sintética da matéria que depois desenvolverá, e deve invocar as divindades para receber a sua inspiração a narrativa não se iniciará no princípio da acção, mas in medias res, isto  é, no meio num momento susceptível de despertar imediatamente o interesse dos leitores.
         É justamente o que observamos n'Os Lusíadas. Além isso, a obra adoptará um estilo grandiloquente, um nível de linguagem solene e grave.
         Regressando ao estilo épico propriamente dito, não é apenas a matéria que lhe confere a grandiosidade, está estabelecido, por exemplo, que deve ser feito um uso abundante uso da  mitologia de modo a obter-se um discurso culto, que impressiona pela erudição, pela soma de conhecimentos que envolve e que demonstra a competência do autor.

Elementos da epopeia:
Herói: personagem principal
Maravilhoso: inclusão de deuses
Forma: estilo narrativo sublime e majestoso.
Acção: facto histórico cantado pelo poeta
Unidade: articulação harmoniosa dos episódios
Variedade: conseguida através da inclusão de episódios reais e imaginários
Integridade: a acção deve ter princípio, meio e fim
Verdade: o assunto deve ser real ou verosímil


Estrutura externa:

Proposição: parte introdutória, na qual o poeta anuncia o que vai cantar (Canto I, estrofes 1-3))
Invocação: pedido de ajuda às divindades inspiradoras (Canto I –  Tágides ; Canto III – Calíope ; Canto VII – ninfas do Tejo e do Mondego, Canto x - Calíope )
Dedicatória: oferecimento de um poema a uma personalidade importante
Narração: parte que constituí o corpo da epopeia (in media res)


Estrutura métrica
Versos decassilábicos;
Estrofes de oito versos (oitavas) com o seguinte esquema rimático abababcc;
Estrofes distribuídas por 10 Cantos (87/156).

Os deuses



Baco: filho de Júpiter e de Sémule. Quando adulto, Baco conquistou a Índia e depois o Egipto, sendo, todavia, pacífico e benéfico no seu domínio: ensinou a agricultura aos homens e foi o primeiro a plantar a vinha. Foi, por isso, adorado como deus do vinho e dos vícios. Umas vezes era representado com vides na cabeça, outras com um como na mão. N’Os Lusíadas, Baco tem igualmente as seguintes designação: Tebano, Lieu, Tioneu e filho de duas mães.

Cupido: Filho de Marte e de Vénus, presidia aos prazeres. Era representado na figura de um menino nu, com um arco e aljava cheia de setas.

Febo: Deus do Sol e das forças superiores do homem (Razão, Artes, letras e Música). Presidia ao coro das nove Musas. Era representado por um arco e uma lira.

Júpiter: Pai dos deuses, filho de Saturno e de Reia. Como  Saturno lhe devorava os filhos, quando chegou a vez de Júpiter, Reia substituí-o por uma pedra embrulhada que o marido imediatamente devorou.
Júpiter foi levado para Creta, onde a cabra Amalteia lhe deu de mamar. Adulto, expulsou do céu seu pai e casou com Juno. Reservou para si esta soberania, e deu o império das águas a Neptuno e o dos infernos a Plutão. Os pagãos representavam-no com um raio na mão, posto sobre uma águia.  N’Os Lusíadas, é também designado por Padre, Jove e Tonante.

Marte: Filho de Júpiter e de Juno. É o deus da  Guerra. Presidia a todos os combates, mas nem por isso era pequena a ternura que votava a Vénus, por ele apaixonadamente amada.
Era representado na figura de um guerreiro,  armado  com  uma lança e um elmo. N’Os Lusíadas, aparece também com o nome de Mavorte.

Mercúrio: Filho de Júpiter e de Maia. Deus da eloquência, do comércio e dos ladrões. Era a mensageiro dos Deuses particularmente de Júpiter que, para haver maior rapidez na execução das suas ordens, lhe pusera asas na cabeça e nos calcanhares. Representa-se em regra com um caduceu (vara ), na mão.
N’Os Lusíadas, aparece também com o nome de filho de Maia e Cileneu.

Consílio dos Deuses

 
Adjuvantes
Oponente
Vénus (deusa do amor)
·      Amiga dos portugueses porque via neles as qualidades dos romanos:
-          A coragem
-          A língua portuguesa é de origem latina (novilatina)
Marte (deus da guerra):
·      Apaixonado  de Vénus
·      Admira   a bravura militar dos
Portugueses
Baco (deus do vinho e dos vícios)
·      a presença  dos portugueses no Oriente fará com que ele seja esquecido.







Decisão final de Júpiter

-           cumprir  as  decisões dos Fados, permitindo que os portugueses  cheguem ao Oriente



 Cumprindo os desígnios dos fados, os portugueses chegam à ilha de Moçambique.  Baco, não  conformado com a deliberação  do Consílio, toma a forma de um  mouro  e convence o rei  da ilha  de que os portugueses são uns salteadores perigosos, que haviam saqueado e incendiado quase toda a costa de África.  Baco aconselha o rei a preparar uma cilada aos portugueses.    Um falso piloto mouro dá indicações erradas aos portugueses mas a deusa Vénus, que tudo observa, desvia a armada de Quíloa. A armada dirige-se então para Mombaça.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Teste Intermédio


Teste Intermédio aqui
Critérios de classificação aqui